A Feitceira completou 50 anos

No dia 17 de setembro, a série A Feitceira completou 50 anos de sua estreia. Exibida pela rede ABC entre 1964 e 1972, a sitcom apresentou a vida de uma bruxa que se casa com um mortal, a contragosto dos pais e da família.

Produzida em um período de turbulência social, a série retratou de forma divertida situações que questionavam a felicidade no casamento, os relacionamentos interraciais, a velhice, a solidão e o feminismo, entre outros temas.

Samantha (Elizabeth Montgomery) é uma mulher inteligente e bonita que um dia conhece o amor de sua vida. Seu nome é James (Dick York/Dick Sargent), um publicitário cabeça quente com quem ela se casa após um breve romance. Na lua de mel, Samantha conclui que é chegada a hora de revelar ao marido sua verdadeira identidade: ela é uma bruxa. James aceita a nova situação com uma condição: nada de bruxarias. Se ela o ama, Samantha terá que viver sob suas regras e padrões.

A bruxinha concorda, mas ela ‘esquece’ de avisar ao marido que sua mãe Endora (Agnes Moorehead) jamais aceitará qualquer imposição de um mortal. Assim, quando a sogra descobre sobre James, passa a dedicar sua vida a destruir o casamento da filha, para que ela possa voltar a viver como uma bruxa, com todos os direitos que lhe cabem.

Essa situação vivida por Samantha, Endora e James apresentou ao público a transição que a mulher vivia na década de 1960. A vida daquela mulher que se dedicava unicamente ao bem estar dos filhos, marido e da casa foi colocada em xeque. Enquanto Samantha tenta se enquadrar na forma como a sociedade masculina via a posição da mulher em seu mundo, Endora representa o movimento feminista que chegara para fazer a mulher entender que ela tinha o poder e o direito de ser mais independente; que o casamento não deveria representar o objetivo final. A personagem chegava a utilizar frases e expressões popularizadas por feministas da época. Samantha sofre as influências e agressões externas ao longo de toda a série, ora questionando suas escolhas, ora determinada a se manter nos padrões que lhe foram impostos, mas sempre tentando conciliar os dois mundos.

Achincalhado, humilhado, surrado, transformado nas mais diversas formas vivas ou inanimadas, James foi castigado diversas vezes por seu comportamento e crenças. Embora ainda finque o pé em manter sua decisão, ele também vai se transformando ao longo da série, tornando-se mais paciente e receptivo aos poderes da esposa.

Ao redor deste trio orbitaram diversos personagens que também retratavam a riqueza do ser humano. Através da Tia Clara (Marion Lorne) a série questionou a forma como os idosos eram tratados pela sociedade; Esmeralda (Alice Gostley) representou a solidão e a frustração da mulher em uma sociedade que acreditava que ser solteira era ter falhado na vida; em contrapartida, a série apresentou Serena (também interpretada por Elizabeth), que retratava a ideia da mulher livre e sem compromissos seja em relação a marido e filhos, seja em relação ao que a sociedade pensa; Gladys (Sandra Gould) e Abner (George Tobias), os vizinhos dos Stephens, faziam uma crítica à forma como muitos casais optavam por continuar vivendo juntos, mesmo depois da relação ter terminado; a competitividade de mercado, aliada à ganância, era vista através do trabalho de James na agência de propaganda comandada por Larry Tate (David White), um homem ambicioso que distorce situações e mente para manter um cliente e ‘ganhar mais um milhão’; a série também abordou o voyerismo (Dr. Bombay, interpretado por Bernard Fox), o ego (Morris, vivido por Maurice Evans), a inveja (Gladys) e, é claro, a força do amor (James e Samantha).

A forma leve e divertida com que a série tratou da condição humana faz com que A Feiticeira continue conquistando novas gerações de fãs, apesar do período em que ela foi produzida já não existir mais.

A Série 

A Feiticeira surgiu do interesse de Elizabeth e seu marido, o produtor William Asher, de trabalhar juntos. Asher chegou a desenvolver um projeto sobre um casal formado por um frentista e uma herdeira que, ao se casar, concorda em viver dentro do poder aquisitivo do marido. A família dela não concorda com a união da moça com alguém de uma classe social mais baixa e faz de tudo para separar o casal.

Com o título de The Fun Couple, o projeto foi apresentado para a Columbia Television e ao produtor William Dozier (Batman), que achou o enredo muito parecido com o projeto de A Feiticeira, criado dois anos antes por Harry Ackerman. Assim, Dozier sugeriu que Asher e Ackerman se unissem. Asher concordou, na condição de que Ackerman aceitasse Elizabeth como a intérprete de Samantha. Ackerman já tinha convidado a atriz Tammy Grimmes mas, por estar envolvida com uma produção no teatro, ela recusara. Assim, Asher, Ackerman e Elizabeth chamaram Sol Saks e Danny Arnold para escrever os roteiros e definir a personalidade dos demais personagens, dando início à produção de A Feiticeira.

Enquanto o elenco se formava, os produtores enfrentaram a resistência da rede ABC de aceitar o projeto. Por se tratar de uma série sobre bruxas e feitiçarias, os executivos do canal na época achavam que ela afugentaria o público mais tradicional, especialmente aquele do interior. Mas, quando os representantes da Quaker Oats e da Chevrolet começaram a procurar programas para a compra de espaços publicitários, eles ‘se encantaram’ com A Feiticeira. Com a venda garantida para estas duas empresas, a ABC aceitou a série, mas na condição de que ela não fosse transformada em veículo de propaganda/merchandising de novos produtos, através da agência de propaganda onde James e Larry trabalhavam. Assim, uma equipe foi criada com a única função de investigar se os nomes dos produtos e de clientes que apareciam na série já não existiam.

O início das filmagens da série sofreu dois reveses. Logo após a produção do episódio piloto, Elizabeth descobriu que estava grávida. O bebê nasceu durante o período em que a série foi adquirida pela rede ABC. Para não atrasar o cronograma, a atriz começou a filmar os novos episódios menos de um mês após o parto. Por esta razão, ela foi filmada em close-ups ou atrás de algum móvel.

O segundo problema que a produção enfrentou foi a morte de John F. Kennedy. O Presidente americano foi assassinado no dia em que as filmagens tiveram início. Elizabeth e Asher tinham trabalhado na campanha de Kennedy, sendo que Asher chegou a produzir o vídeo no qual Marilyn Monroe canta feliz aniversário para Kennedy. Apesar do choque e para atender ao cronograma estabelecido, eles não interromperam a produção.

A primeira temporada da série ficou em segundo lugar na audiência da rede ABC, perdendo apenas para Bonanza. Registrando a média de 31% entre o público alvo, A Feiticeira foi renovada. Mas conflitos entre Arnold e a rede ABC, que exigia mais cenas de magias, fez com que o roteirista deixasse a equipe de produção, sendo substituído por Jerry Davis, que trouxe mais situações de magia para a segunda temporada. Davis deixou a produção na terceira temporada, período em que a série passou a ser filmada a cores.

A Feiticeira se manteve entre as demais maiores audiências da TV americana ao longo de suas três primeiras temporadas. A série começou a perder fôlego na quinta, quando era visível a falta de criatividade dos roteiristas, que já reciclavam ideias e situações vistas nas primeiras temporadas da série, bem como de outras produções, especialmente I Love Lucy, da qual Asher foi diretor.

Mas a maior dificuldade enfrentada pela produção de A Feiticeira foi a decisão de substituir York por Sargent. Durante a produção do filme Heróis de Barro/They Came From Cordoba, de 1959, York sofreu um acidente que prejudicou sua coluna. Nos primeiros anos que se seguiram ao acidente, York conseguiu controlar os problemas de saúde com medicamentos, o que o levou a se tornar dependente deles. Mas com os anos sua saúde foi declinando, levando-o a perder alguns episódios de A Feiticeira. A ausência do personagem era justificada com uma viagem de negócio, levando os pais de James a substituí-lo algumas vezes. Mas, durante as filmagens de um episódio da quinta temporada, York desmaiou. O ator foi levado ao hospital, onde os médicos o informaram que ele não tinha mais condições de continuar trabalhando.

Os produtores decidiram substituir o ator, visto que não seria aceitável Samantha se divorciar de James e casar com outro. Assim, Sargent, que tinha sido a primeira opção para interpretar James, foi chamado. O ator trouxe outra dinâmica para o personagem, tornando-o uma pessoa mais serena. Tendo em vista que os problemas de York tinham sido noticiados pela mídia, nenhuma justificativa sobre a troca de atores foi feita dentro da história da série.

York não foi o único a ser substituído ao longo da produção da série. Irene Vernon, que interpretou Louise, a esposa de Larry, durante a fase em preto e branco, foi substituída por Kasey Rogers quando a série passou a ser filmada em cores. Irene pediu para sair para buscar outras oportunidades de trabalho.

Na fase em preto e branco A Feiticeira também contava com outra atriz como intérprete da vizinha xereta Gladys. Ela era vivida por Alice Pearce, que faleceu vítima de câncer em 1965. Em seu lugar foi chamada Sandra Gould, que era vinte anos mais nova que Tobias, o intérprete de Abner. Por isso, ela precisou envelhecer sua aparência. Os pais de James foram vividos alternadamente por Roy Roberts e Robert F. Simon, que eram contratados por episódio. Assim, eles revezavam no papel dependendo da disponibilidade dos atores.

Talvez a perda mais sentida tenha sido a de Marion, intérprete da Tia Clara. A atriz faleceu em 1968. Ao invés de simplesmente chamar outra pessoa para dar vida à personagem, os produtores decidiram aposentar Clara, que desapareceu da história sem qualquer explicação. Para preencher o vazio que Clara deixou foi criada a personagem Esmeralda, que era tão atrapalhada com seus poderes quanto Clara.

Ao longo da série, Elizabeth ficou grávida mais duas vezes, levando a personagem a também engravidar. Primeiro nasceu Tabatha, interpretada por Heidi e Laura Gentry, depois por Tamar e Julie Young. Na fase em cores, ela é vivida por Erin e Diane Murphy, que permaneceram no elenco até o final da série. Tabatha era feiticeira como a mãe mas, por ser muito pequena, não tinha controle sobre seus poderes, o que gerava uma nova leva de situações. Mais tarde nasceu Adam, mortal como o pai, interpretado por Greg e David Lawrence.

Ao longo da década de 1970, séries que se apoiavam na fantasia ou que exploravam o humor ingênuo começaram a ser canceladas para dar lugar às topical sitcoms, que introduziam um humor ácido e faziam abertamente críticas sociais e políticas. A guerra do Vietnã, os escândalos políticos e os movimentos sócio-culturais transformaram o público e a televisão. Assim, A Feiticeira, que perdia para a concorrência com Tudo em Família, foi cancelada com um total de 255 episódios produzidos.

Ao longo de sua trajetória, a série inspirou a produção de Jeannie é um Gênio, pela rede NBC e o desenho Sabrina, personagem da Turma do Archie. Ela também gerou uma spinoff (ou sequência).

Em 1977, a Columbia decidiu produzir a série Tabatha (que em inglês é escrito Tabitha). Visto que Erin (única das gêmeas a ter interesse em continuar sua carreira artística) ainda não era adulta, os produtores selecionaram a atriz Liberty Williams para interpretar a personagem no episódio piloto produzido para avaliação. Ao seu lado estavam Bruce Kimmell, que interpretou Adam, e Archie Kahn, como o namorado de Tabatha, Cliff. A série foi aprovada mas os atores foram substituídos por Lisa Hartman, Robert Urich (Vega$), como o namorado Paul, e David Ankrun, como Adam.

Na série, Tabatha trabalha como produtora do talk show apresentado por seu namorado, que nada sabe sobre seus poderes. Tabatha era vigiada de perto por seu irmão Adam, que fazia o papel de James de controlar os poderes da irmã. Além de Adam, ela também tinha que lidar com o melhor amigo dele, Roger (Barry Van Dyke) que, apaixonado por ela, tentava convencê-la a largar Paul. Entre os parentes que apareciam na série estava a Tia Minerva (Karen Morrow), que fazia o papel de Endora, tentando convencer a sobrinha a deixar o mundo mortal e viver entre as feiticeiras. Dentre os personagens do elenco de A Feiticeira, a série contava com as participações de Gladys, Abner e o Dr. Bombay, novamente interpretados pelos mesmos atores.

Tabatha não fez sucesso e foi cancelada com apenas uma temporada de doze episódios produzida. Mas esta não foi a única tentativa de resgatar a magia de A Feiticeira. Os filhos dos Stephens também estrelaram uma série animada entre 1973 e 1974, com o título de Tabitha and Adam and the Clown Family, onde as crianças viviam às voltas com um circo.

Em 2005 foi produzido o filme Bewitched/A Feiticeira, estrelado por Nicole Kidman e Will Farrell. Esta produção não é uma versão cinematográfica, mas uma homenagem. Na história, um canal de TV está interessado em produzir um remake da série dos anos de 1960 e, sem saber, acaba contratando uma bruxa de verdade para interpretar Samantha.

A série também gerou versões internacionais. Entre elas, na Argentina (Hechizada), em 2007; no Japão (Okusama wa majo/奥さまは魔女), em 2004; na Índia (Meri Biwi Wonderful), em 2002; e na Rússia (Моя любимая ведьма). Em 2001, a rede CBS chegou a anunciar que um projeto estava em desenvolvimento para dar à série uma nova versão. Por sorte, ela não se materializou!

Outras séries que completam cinquenta anos este mês são Viagem ao Fundo do Mar, O Agente da UNCLE, Os Monstros (que recentemente quase ganhou um novo remake), Daniel Boone, A Ilha dos Birutas, Flipper, A Caldeira do Diabo, Jonny Quest, Inferno nos Céus, Danger Man, Stingray e A Família Addams.  Fonte: Veja.com por: Fernanda Furquim